Entrevista com Valéria Ferreira

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COMO VOCÊ VÊ A OSTEOPATIA ATUALMENTE?
Ao meu ver, a osteopatia continua crescendo fortemente no mundo e se apresentando mais e mais como opção efetiva de tratamento, sendo oferecida em vários países. O que parece ter mudado bastante nos últimos anos foram as representações acadêmicas, com o aumento de oferta de eventos e das conferências osteopáticas internacionais, assim como o status acadêmico demonstrado por alguns dos nossos colegas. Hoje, existe um movimento maior apoiando a criticalidade e a pesquisa.

COMO VOCÊ VÊ O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA OSTEOPÁTICA?
Apoio e encorajo a pesquisa, mas também encorajo o maior conhecimento anatômico e o desenvolvimento palpatório. O próprio Dr. Still encorajava a pesquisa e, antes da sua morte, pediu que os seus alunos pesquisassem mais sobre os efeitos da osteopatia. Ainda assim, acho que existem algumas considerações a serem discutidas pela profissão. Os requisitos apresentados pelas universidades criaram uma nova plataforma educacional que incentivou o desenvolvimento da criticalidade educacional e profissional que talvez não havia antes. Acredito que esta criticalidade seja positiva, desde que equilibrada e sem extremos. Somos osteopatas e espero que todo este desenvolvimento não aconteca às custas do desenvolvimento do “osteopata eficiente e competente”. Acredito que para se tornar um bom profissional, o osteopata necessita de persistência, curiosidade, coragem e determinação, tanto para aprender sobre a nossa própria saúde mental, emocional e espiritual, quanto sobre a saúde dos nossos pacientes. Quanto mais aprendemos sobre a anatomia tridimensional, praticamos e nos permitimos perceber e “ouvir” a história do corpo que seja baseada na percepção anatômica com honestidade e integridade. Isto nos faz ficar mais interessados, interessantes e competentes, ao mesmo tempo que nos transforma em osteopatas reais.

QUAL A SUA LINHA DE TRABALHO?
Apesar de ter sido aluna de J.-P. Barral e de continuar o meu aprendizado visceral com ele, a maneira como ensino sofreu alterações ao longo dos anos. Isto foi inevitável quando decidi seguir o conselho do próprio Barral e levar o meu próprio estilo osteopático para os participantes dos meus cursos no Reino Unido, na Alemanha e no Brasil. Aqui na BSO (Londres) eu lidero o módulo eletivo Visceral, assim como ensino em cursos de CPD (desenvolvimento profissional contínuo) juntamente com um colega/professor francês que está no último ano do doutorado em Osteopatia, e que tem um estilo bem diferente do meu. Devido a esta experiência compartilhada, me adaptei a uma maneira mais diversificada de ensinar, me baseando no aprendizado fascial e anatômico que venho aprimorando. Também aredito que ainda que não tenha sido a intenção inicial, ter tido a experiência de ter circulado por várias instituições osteopáticas inglesas me ajudou a me sentir livre para explorar os conhecimentos osteopáticos com mais liberdade e ir descobrindo a minha maneira de ensinar os tópicos escolhidos. Ter concluído o diploma de osteopatia no College of Osteopaths (COET), o MSc na European School (ESO), ensinar na British School of Osteopathy (BSO) e ter participado da realização do ICAOR10 (BCOM), me expôs a variedades e modalidades osteopáticas que moldaram a minha visão da disciplina. Na Bristish School of Osteopathy, onde ensino técnicas estruturais, viscerais e fasciais; lido com osteopatas e tendo a ensinar de modo integrador. É mais fácil seguir esta linha de ensino, pois facilita o acesso dos osteopatas mais estruturais, que se intimidam com o trabalho mais sutil das vertentes fascial e visceral. Após 26 anos de estudo contínuo e 18 anos aprendendo com J.-P. Barral, assim como outros professores fantásticos, acredito que o mais importante não é seguir a linha de trabalho de um ou outro grande professor de osteopatia, mas o conteúdo do trabalho e a possibilidade de ensinar (e aprender) a experiência palpatória para (e com) os estudantes. Costumo dizer aos estudantes da BSO que enquanto eu sinto o que estou tocando a experiência é minha, mas que quando eles têm a experiência palpatória e conseguem perceber o que estamos tentando ensinar, o ganho é deles! Depois que eles internalizam e integram a experiência palpatória, a compreensão sobre a apresentação anatômica do paciente muda totalmente de contexto e um plano de tratamento fica mais claro e evidente.

COMO VOCÊ SE VÊ HOJE, SENDO RECONHECIDA INTERNACIONALMENTE NA EUROPA COMO UMA PROFESSORA DE OSTEOPATIA?
Eu me considero uma eterna aprendiz e, desde que cheguei ao Reino Unido, nunca parei de estudar e tentar aprender mais. Acho até que esta deve ser uma das razões pelas quais eu gosto tanto de fazer parte de uma equipe de profissionais e professores, mesmo que também me sinta uma “agente livre” na comunidade osteopática do Reino Unido. Às vezes, me surpreendo com os elogios e convites para mais aulas fora do Reino Unido, pois sinto o mesmo entusiasmo pela osteopatia em qualquer lugar, a qualquer hora do dia. Não importa se estou conversando com os alunos ou com os palestrantes e pesquisadores osteopáticos. A minha vida e rotina é permeada pela osteopatia! Desde a preparação das aulas, tratamento de pacientes, reuniões sobre melhores métodos de ensino, assistir DVD de dissecção, ouvir aulas de anatomia no meu iPhone dentro do ônibus quando vou para o trabalho ou buscar a minha filha da escola. Esta troca de informacões e os debates contínuos me ajudam a me questionar e me inspiram. De novo, me refiro à criticalidade construtiva. Aquela que não me faz desistir, mas me instiga a me aprimorar e aprender mais. Compareço a oficinas avançadas de trabalhos estruturais, viscerais e fasciais, que depois tento aplicar à minha prática, até para saber se funciona ou não comigo e com os meus pacientes. Sinto-me, portanto, agradecida, orgulhosa e feliz pelo reconhecimento profissional que venho recebendo nos últimos anos. Devo este reconhecimento principalmente aos estudantes que encontrei por onde ensinei, pois eles foram a minha inspiração e mola propulsora. Eles me colocaram onde me encontro e por isto me sinto muito agradecida! Aprendo muito ensinando e esta experiência, juntamente com a prática de osteopatia, tem me ajudado a me sentir melhor como pessoa e ser humano.

COMO VOCÊ VÊ A OSTEOPATIA NO BRASIL?
A osteopatia no Brasil está avançando bem e temos bons colegas, assim como o registro (RBrO), trabalhando arduamente para a obtenção do reconhecimento e da legalização da osteopatia. O Brasil precisa de osteopatia para todos! Num país tão medicalizado, precisamos ter a possibilidade de mostrar os benefícios da osteopatia. A minha grande esperança é de que os osteopatas das escolas diversas comecem a se comunicar e que as escolas iniciem um diálogo em prol da osteopatia e do desenvolvimento da profissão. Este foi um dos desejos que motivou a criação do COBRA. Todos sabemos que a osteopatia segue filosofia e princípios próprios e únicos. Ela precisa ser vista desta maneira. Por ser uma pessoa otimista, prefiro pensar que só é uma questão de tempo e muito trabalho de poucos para a conscientização de muitos. Acredito que, à medida que vai se aumentando e aprimorando ainda mais o nível de informação, esclarecimento e divulgaçãoo sobre a osteopatia, mais fácil será para a população brasileira fazer a escolha certa. Para isto, temos de nos unir como osteopatas que acreditam na osteopatia total e real e, juntos, melhorar ainda mais o nível de ensino, pesquisa e comunicação entre nós e com o público. Ao meu ver, isto infelizmente só será possível quando aumentar a confiança entre os colegas osteopatas brasileiros, diminuir a preocupação de perder espaço profissional e melhorar a saúde emocional e psicológica do osteopata. O meu grande sonho e desejo é ver a osteopatia real, total e sem fronteiras sendo oferecida de modo mais abrangente no Brasil e no mundo para todos, inclusive no sistema nacional de saúde. Nós precisamos ter mais saúde, pois só assim poderemos promover os cuidados e a saúde junto ao público.

QUAL O CONTEÚDO DO SEU CURSO PELO COBRA EM AGOSTO?
Este curso foi desenvolvido com base nos programas que ensino no Reino Unido e na Alemanha e será apresentado de forma muito equilibrada e interativa. Ele incluirá práticas palpatórias e de centramento postural a fim de incentivar o desenvolvimento palpatório e aplicativo das técnicas. O curso de Integração Osteopática, módulo – Abdômen inclui a revisão anatômica do abdômen, técnicas abdominais viscerais avançadas, técnicas fasciais e apresentação de pesquisas relevantes ao tema para debate e questionamento. Este programa será apresentado de modo fluente a fim de facilitar a compreensão do uso das técnicas dando ênfase à análise integrativa de exame visceral abdominal tão como às limitações destas.